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quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Morte a pedido, eutanásia, morte assistida.

Morte a pedido, eutanásia, morte assistida.

Uma petição apresentada à Assembleia da República, depoimentos publicados em jornais, ou opiniões veiculadas pela rádio ou pela televisão, têm contribuído para uma certa crispação e confusão da opinião pública.
Na realidade, ao falar-se de morte assistida e de suicídio assistido está-se a praticar uma grave confusão de conceitos. Morte assistida é aquela em que alguém é assistente, companhia e ajuda. Neste sentido, ninguém quer morrer sozinho, mas sim na companhia daquele(s) a quem escolhesse para o(a) acompanhar. Na realidade, o que os proponentes de uma revisão da lei desejam é a legalização da eutanásia, esta definida como a morte a pedido, que ocorre quando alguém é morto por outrem após ter dirigido insistente pedido a esta última pessoa (geralmente um profissional de saúde). O suicídio assistido, por sua vez, consiste numa ajuda ao suicídio, quando a pessoa solicita a outrem que lhe forneça os meios necessários para se suicidar. Do ponto de vista de conceito e da prática, trata-se da mesma questão: alguém não quer continuar a viver e solicita a outra pessoa que a mate ou lhe dê os meios necessários para conseguir esse fim.
Dizem os proponentes da legalização desta prática que ela se justifica (1) por a pessoa ter o direito a dispor da sua vida e (2) por haver vidas em que o sofrimento e a incapacidade retiram toda a qualidade e dignidade a essa mesma vida. Por isso, doentes incuráveis, em grande sofrimento, lúcidos, deveriam ter o direito de por termo à vida com a ajuda de terceiros.




Estes argumentos não são consistentes, em primeiro lugar, porque a autonomia assim invocada, enquanto capacidade de dispor da própria vida, nunca é absoluta, antes deve ser entendida como autonomia relacional, modulada e influenciada pelo enquadramento da pessoa no ambiente familiar, social e cultural em que vive. Ninguém é dono de ninguém, nem sequer do próprio corpo, componente do seu eu indissociável de todas as outras. A autonomia, em matéria de cuidados de saúde, nunca é absoluta e, ainda que deva imperar no sentido da autodeterminação, circunscreve-se sempre num âmbito relacional, mediada pelo estabelecimento duma relação interpessoal
Quanto ao argumento do sofrimento, este também não resiste à análise crítica. Se é certo que muitas doenças evoluem com dor e sofrimento, também é verdade que a medicina encontrou meios terapêuticos poderosos para afastar esses companheiros da doença. Não obstante, e ainda que possa ser argumentável que haverá sempre uma réstia de sofrimento ao qual a atual ciência não consegue responder, este deverá, no nosso entender, impelir a uma procura de resposta efetiva. Certo é que a medicina actual dispõe de meios para tratar todas as situações dolorosas.
Se a eutanásia e a ajuda ao suicídio fossem legalizadas, as consequências seriam desastrosas. É claro que seria necessário mudar radicalmente todo o enquadramento legal, acabando o preceito constitucional de que a vida humana é inviolável. O princípio básico do respeito pela vida, não como valor mas como plataforma sobre a qual assentam todos os valores e direitos, seria irremediavelmente fracturado. O atual enquadramento legal e ético-deontológico das profissões da área da saúde teria de ser completamente revisto já que, pelo menos os códigos deontológicos médicos e de enfermagem advogam a vida e defendem o direito da pessoa doente e, como tal, o dever destes profissionais em promover a dignidade e qualidade de vida da pessoa que padece de doença incurável e/ou se encontra em fase terminal de vida.
Não podemos ignorar, ao discutir esta questão, a experiência entretanto acumulada nos três países em que, há cerca de dez anos, se encontra legalizada a eutanásia – Bélgica, Holanda e Luxemburgo. A primeira constatação é de que apenas nestes três países tal aconteceu; a imensa maioria dos estados do mundo não seguiu o seu exemplo, talvez por se ter verificado que nestes três países o enquadramento legal e a prática evoluíram no sentido de um alargamento e banalização da eutanásia. Acresce ainda que associações internacionais (e.g., Organização Mundial da Saúde, Conselho da Europa e Associação Europeia de Cuidados Paliativos) sustentam a premissa de que não se deve acelerar nem retardar a morte, estando aqui implícita a negação das práticas de eutanásia e suicídio assistido e obstinação terapêutica, respectivamente. A eutanásia, que inicialmente e à semelhança do que agora propõem os signatários do manifesto, ficava sujeita a regras restritivas e limitada a casos excepcionais, foi-se tornando cada vez mais abrangente e facilitada, a ponto de abranger pessoas em coma, inconscientes, pessoas com demências, e até menores de idade. Na Holanda, neste preciso momento, o Governo prepara-se para legislar de modo a permitir a eutanásia a pessoas não doentes, sem sofrimento, que devido à sua idade avançada entendam desejar ser mortas na incerteza de virem a adoecer ou de ficarem diminuídas ou incapazes.
Acontece ainda que as autoridades médicas rejeitam a eutanásia (os cinco bastonários da Ordem dos Médicos ainda vivos pronunciaram-se neste sentido) por entenderem que o dever do médico é respeitar a vida do doente, prestar-lhe todo o auxílio e cuidado, garantindo a melhor qualidade de vida possível e uma morte digna, serena, sem dor nem sofrimento. Isto é possível e constitui o objectivo a alcançar.
Não, a eutanásia não é a solução e a sua legalização teria consequências catastróficas para nós, enquanto indivíduos e cidadãos.


Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa – Porto


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